12 de dez. de 2013

O garoto e o futebol - uma carta de desabafo

Leandro Oliveira
Na Gaveta - Guaratinguetá

Era uma vez uma criança que não pensava em voltar pra casa. Saía sábado de manhã e ficava o dia todo jogando bola na rua, na quadra ou no campo. E se voltava, era pra um banho rápido e pra correr para o estádio ver o time da cidade, que aos poucos, se tornou o time do coração. Era uma vez um garoto apaixonado por futebol, que inventava qualquer desculpa na escola para assistir aos amistosos da Seleção. Que em seus desenhos, retratava personagens históricos com uniformes históricos e levava nos sonhos o desejo de trabalhar com o esporte. 
Incrível como o futebol tem a capacidade de se assemelhar com a vida. Altos e baixos tão constantes como a troca de direção do vento. Talvez a poesia vista por mim, desde pequeno, sobre o futebol, tenha morrido com o tempo. Talvez o futebol não seja nada daquilo que enxerguei, quando criança.
Ainda garoto, corria sem pressa para chutar em direção ao gol. Me sentava em frente à TV ou na arquibancada de concreto do estádio Dario Rodrigues Leite, em Guaratinguetá, e viajava durante 90 minutos. Era como ler um livro, assistir a um filme no cinema. Era mais que isso. Era a história sendo escrita diante dos meus olhos, e eu, como torcedor, tinha participação ativa na composição de cada capítulo. 
(Quinn Rooney - Getty Images)
Vi vitórias, vi derrotas, glórias, vi torcedores perdendo a voz, vi homens chorando, crianças esperançosas. O futebol, de fato, me proporcionou cenas incríveis, enquanto garoto. Vi uma torcida apaixonada entoar o hino do clube minutos após o fim do jogo que rebaixava pela primeira vez a equipe. Torcida que acreditou, cantou 90 minutos, se uniu, deu as mãos e mesmo com o fracasso dentro de campo, não abandou o clube do coração.
Grandes clubes tem grandes torcidas. Mas, pra um time de uma cidade com pouco mais de 110 mil habitantes, a torcida está na voz daquele que sai de casa numa sexta-feira chuvosa pra ir assistir um jogo. Por muitas vezes, enfrentei chuva, frio, sol de 40 graus, problemas pessoais, falta de dinheiro, para estar ao lado do time. Em 2009, sem ter R$10 para ver um jogo de Série C, fui gandula, só para participar diretamente de um jogo importante da história do Guaratinguetá.
Queria que esse tempo não passasse, que tudo fosse como antes. Que o torcedor se alegrasse ao ouvir o nome do time, independente da divisão. Queria andar pelas ruas e encontrar amigos vestidos com as cores do único representante do Vale do Paraíba em uma das quatro divisões nacionais. 
Mas, os anos passam, a gente cresce e percebe que nem tudo é como imaginávamos. Em época de 'tapetão', virada de mesa, o pobre torcedor - simples e apaixonado pelo clube - é tratado com descaso por quem administra e entende de futebol. Chamado de 'gato pingado' e taxado como principal responsável pela atual fase do Guaratinguetá, o torcedor, antes sem forças para reagir diante da atual situação do clube, que pode fechar as portas ou mudar de sede pela segunda vez na sua história, se cala mais uma vez. 
Confesso que o silêncio por alguns momentos me incomodaram. Desde a demissão de Cecílio, que fazia um trabalho de recuperação com o elenco do Guaratinguetá até a confirmação da 'rotatividade de interinos' implantada pela direção do clube na reta final. Sim, era feito um rodízio com os interinos do time. Afinal, é mais fácil você implantar um sistema sem base do que manter um treinador que fazia o time crescer na competição. Desculpem pela ironia.
Tudo levava a crer que o rebaixamento era questão de tempo. A diretoria procurou por isso ao não contratar um técnico e também por outros motivos. Na reta final da Série B, o Guaratinguetá não se concentrava para os jogos. Não havia concentração no dia anterior à partida. Os jogadores caminhavam pela cidade na véspera de jogos importantes, afinal o time poderia entrar na zona de rebaixamento. A suspeita foi confirmada por alguém que trabalha no Guaratinguetá.
Enfim, daquele garoto sonhador, de um passado não tão distante, sobraram vestígios de uma paixão com pouco mais de 15 anos. Paixão que foi se apagando graças às asneiras ditas e feitas por quem tem poder, dentro do futebol. 
O sonho de trabalhar com esporte não morreu! Esse permanece vivo e corre nas minhas veias. Aliás, me orgulho muito do que faço e do trabalho que desenvolvo. Nunca precisei bajular para ter acesso a informação. Nunca precisei mudar minha personalidade para chegar onde quis. E por ser assim, algumas portas se fecharam. Mas, já era de se esperar que isso acontecesse. 
No mais, viverei um dia de cada vez e espero reencontrar aquela antiga poesia em algum canto desse mundo paralelo chamado futebol.

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